O miúdo incentivado pelo pai a partir uma perna; o treinador que despejou todo o vernáculo à frente de crianças; a mãe que não lidou bem por não ser o filho um CR7! Há adultos alucinados... 'Verde à Vista' é o espaço de opinião semanal de Carmen Garcia, enfermeira, sportinguista e autora do blogue 'Mãe Imperfeita'
Quando esta crónica chegar às páginas do jornal já saberemos duas coisas que, neste momento, são uma incógnita: o vencedor da Bola de Ouro e o resultado do Sporting frente ao Moreirense. Acontece que quando escrevo, pelas quatro da tarde de segunda-feira, tudo isto é ainda uma carta fechada.
Tenho, é claro, uma ideia sobre quem vai trazer os principais prémios e, por isso, arrisco dizer que quem ler estas palavras já vai ter visto a Bola de Ouro masculina nas mãos de Dembélé, a feminina nas mãos de Aitana Bonmatí e o troféu Kopa nas mãos de Lamine Yamal. Não que estas fossem as minhas escolhas — mandasse eu, e o Kopa ia direitinho para João Neves —, mas, olhando para as probabilidades, e porque sou mais da ciência do que da fé, diria que dificilmente me enganarei.
Deixando agora o campo das dúvidas, deixem-me só dedicar meia dúzia de frases ao Benfica antes de avançar para o tema central desta crónica. E isto apenas para dizer que Rui Costa mexeu bem as suas peças com a contratação de Mourinho e que, ao contrário do que apregoa, com a substituição de Bruno Lage não se limitou a defender os interesses do clube. Aliás, tenho muitas dúvidas de que esta entrada de José Mourinho não estivesse já no forno enquanto Lage cozinhava lentamente em banho-maria — o que, atendendo ao que tinha sido prometido ao treinador, e que foi revelado pelo seu advogado na CMTV, é absolutamente condenável do ponto de vista ético.
E sobre este assunto fico-me por aqui, até porque, como dizia a minha mãe ontem ao almoço, começo a ter receio que José Mourinho me apareça, de repente, dentro do prato da sopa. Sinto-me, confesso, à beira de uma overdose do Special One — ainda que, como boa ovelha, tenha sido incapaz de evitar dar os meus cinquenta cêntimos.
Mas vou já parar de falar no assunto e começar a escrever sobre aquele que é o tema que, de facto, queria explorar esta semana e que, apesar de relacionado com futebol, não tem ligação a nenhum dos três grandes. Senhoras e senhores, falemos então sobre quão patológicos podem ser os comportamentos dos adultos no futebol de formação.
Começo com uma contextualização: o meu filho mais velho adora jogar futebol, mas durante alguns anos resisti em inscrevê-lo. Uma vez que ele é surdo com dois implantes cocleares, confesso que tinha algum receio de possíveis boladas na cabeça, de colisões e cabeceamentos. Como ele até já andava na equitação, fui protelando o futebol até que se tornou impossível adiar mais. Ele gosta tanto de jogar e fica tão feliz quando o faz que acabámos por ter de ceder. Assim, o ano passado, inscrevemo-lo no clube aqui da cidade — notem que falamos de uma localidade com cerca de doze mil habitantes no distrito de Évora. E até aqui tudo bem. Ele ia (e ainda vai) super feliz para os seus dois treinos semanais e, apesar de ser dos mais novos da equipa, vai sendo convocado para os jogos de vez em quando.
O clube, como muitos, vive do voluntariado de alguns pais que se tornaram dirigentes e, sempre com a corda ao pescoço do ponto de vista financeiro, não há como garantir transporte para os jogos. Isto faz com que tenhamos de ser nós, os pais, a levar os miúdos e, por inerência, acabamos por ter de assistir a todos os jogos. E se esta não era a minha vontade, a verdade é que este acompanhamento tão próximo — que na minha opinião retira autonomia aos miúdos —, permitiu-me ter uma perspectiva mais alargada deste mundo. E sabem o que vos digo? Às vezes, preferia não a ter.
Mas vamos a exemplos.
O ano passado, num torneio, o meu filho levava a bola e eis que ouço um pai, portanto adulto, a poucos metros de mim, gritar para dentro do campo: «Parte-lhe uma perna, Santiago!» Decidi, para bem da minha sanidade mental, ignorar o comentário — até porque percebi que a mulher que o acompanhava o repreendeu, mas foi a primeira vez que pensei 'esta gente é louca'.
Já mais para o final da época, noutro jogo onde o Pedro participou, tive vontade de entrar em campo para dar um puxão de orelhas ao treinador da equipa adversária. O homem, na casa dos quarenta anos, usava vernáculo pesado e emanava uma agressividade brutal — como se a sua vida, e a dos próprios miúdos, dependesse daquela vitória. Reparem, é natural que um treinador goste de ganhar, mas há (ou devia haver) limites claros quando falamos de miúdos.
E só para dar mais um exemplo: num jogo em que o Pedro não foi convocado, recebi uma mensagem de outra mãe, indignadíssima com o facto de os nossos filhos não terem sido escolhidos. Vou poupar-vos aos pormenores da mensagem, mas confesso que foi difícil conter a vontade de rir. Respondi-lhe com um 'a mim o que me preocupa é a escola, quero lá saber destas coisas, umas vezes vão uns, outras vão outros'. Ela respondeu-me com uma nova mensagem, desta feita em tamanho XXL, cheia de argumentos. E eu, não imaginando o estrago que ia provocar, atirei um 'sossega, rapariga, que nenhuma de nós tem ali um Cristiano Ronaldo'. Moral da história? Não me respondeu mais e, agora, quando me vê, vira-me a cara.
E a minha experiência tem sido um bocadinho isto: de um lado, gente que se esforça e dá do seu tempo para manter pequenos clube a funcionar, que percebe que são miúdos e que, acima de tudo, os incentiva a jogar de forma feliz, com regras, mas sem pressões. Do outro, gente completamente alucinada, inclusivamente mães e pais, que acham que dois treinos por semana são insuficientes (onde é que, na lista de prioridades destas pessoas, ficará a escola?), que incentivam à agressividade, que não sabem o que é o fair play e que, em vez de ensinarem os miúdos a lidarem com a frustração, os convencem que são o próximo Cristiano Ronaldo e que a cada não convocatória são vítimas de uma injustiça atroz.
Não sei, de facto, como é que isto se pode melhorar ou corrigir, mas apetecia-me muitas vezes que existisse um árbitro na bancada que sinalizasse o comportamento dos adultos com cartões. Porque, acreditem no que vos digo, demasiadas vezes o problema não está dentro das quatro linhas, mas cá fora, nas mães e nos pais que gritam, com leviandade, «parte-lhe uma perna». Geralmente são esses que também ofendem os árbitros e que personificam tudo o que devemos ensinar os miúdos a não ser. Oxalá pudéssemos mostrar-lhes cartão vermelho e aplicar-lhes uns belos jogos de suspensão.
No pódio
Não posso, por muito que me custe, não aplaudir o Futebol Clube do Porto que está a ter um arranque de época fortíssimo. André Villas-Boas e a sua estrutura conseguiram mesmo operar um verdadeiro milagre em poucos meses. Com Farioli aos comandos da equipa, o espírito do grupo mudou completamente e onde antes existia desnorte existem agora foco, exigência e rigor. O Porto mostra-se forte dentro e fora de campo e isso começa a sentir-se, não só nos resultados, mas também na motivação dos adeptos e no ambiente que rodeia o clube. Sei que a época ainda vai no início, mas já não me parece cedo para dizer que o Porto, de facto, ressuscitou.
Na bancada
Todos temos dias maus, é certo, mas fica difícil não sinalizar quão mal esteve Viktor Gyokeres no jogo frente ao City. Cumprindo a totalidade do tempo de jogo, o avançado chegou ao final dos noventa minutos sem fazer um único remate (fosse ou não enquadrado). Numa tarde onde tudo lhe parece ter corrido mal, o antigo avançado sportinguista perdeu a bola em treze lances e ganhou apenas dois dos sete duelos do jogo. Não é de estranhar, por isso, que tenha sido o jogador com a pontuação mais baixa do encontro. É certo que uma andorinha não faz a primavera, mas aposto que Viktor Gyokeres, por estes dias, tem sentido saudades da luz de Lisboa.
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