Triunfo sem espinhas sobre Rio que não tem nada de Ave (crónica)

 



Francesco Farioli, quando se aproximam datas exigentes do calendário, não podia desejar melhor: vitória cedo definida, possibilidade, sem risco, de poupar uns e dar minutos a outros, e mais um passo na afirmação de um estilo de jogo altamente competitivo, a antítese do que se viu aos jogadores do Universo Marinakis.


Não é, de todo, pelo facto do Rio Ave ter utilizado 16 estrangeiros no jogo contra o FC Porto, que virá mal ao mundo, uma vez que os regulamentos pós-Bosman o permitem. O problema dos vilacondenses é que formaram o plantel à custa do que deu jeito, em termos de colocação no mercado, ao dono do clube (que também é proprietário do Nottingham Forest e do Olympiakos), e a consequência é terem vários bons jogadores (inegavelmente), que estão, porém, a anos-luz de formar uma equipa, e que se mostram completamente desenraizados face à realidade do clube, ao espírito guerreiro, e à revolta contra o insucesso, nascida da determinação dos pescadores de Caxinas. O ADN do Rio Ave de Carvalhal, de Luís Castro, de Nuno Espírito Santo ou de Luís Freire onde está? Provavelmente perdeu-se no triângulo Atenas-Nottingham-Vila do Conde... 


PORTO SEGURO 

O FC Porto na versão Farioli, que conta por vitórias os jogos disputados na Liga (e já foi a Alvalade), continua a sua caminhada de afirmação, que passa por um futebol agressivo e assertivo, capaz de jogar (então se lhe é permitido defrontar escassa pressão, como em Vila do Conde, é um ver se te avias...) e sem complexos em não deixar jogar. Repare-se neste ‘pormaior’: além de todas as bolas recuperadas, fruto de uma pressão constante de avançados e médios, os dragões voltaram a não ter problema em cometer ‘faltinhas’ a meio campo (foram 18, contra 11 do adversário), cortando assim inúmeras transições dos donos da casa. Este procedimento, que por estar dividido por todos os jogadores poupa alguns à amostragem de amarelos por acumulação de infrações, requer concentração e entrega e revela o que mudou de Anselmi para Farioli, ou se quisermos ficar pelos vinhos generosos do vale do Douro, de um FC Porto corrente para um FC Porto vintage.  


Quando aos 14 minutos, dois pontapés de canto marcados para a pequena área (onde se acantonavam 75 por cento dos jogadores em campo), deram dois golos aos portistas, o primeiro de Pablo Rosario ao primeiro poste, o segundo, de Samu, ao segundo, percebeu-se que só um apagão monumental tiraria os três pontos aos dragões. Sem segredos táticos, apresentando um 4x3x3 moderno, que passa a 5x4x1 com a facilidade com que um dos médios (primeiro Varela, depois Rosário) se junta à dupla polaca, ou sobe linhas asfixiando a saída de bola do adversário, a equipa de Farioli mandou como quis na primeira parte, sendo possível estabelecer, quiçá, a maior diferença entre as forças em presença em Vila do Conde: enquanto que o Rio Ave não estava à altura da soma da valia de cada um dos seus jogadores, a maior mais-valia do FC Porto era o conjunto.  


PORTO DE ABRIGO 



O segundo tempo iniciou-se com a troca de Varela (questão física) por Zaidu, que foi para lateral direto, passando Pablo Rosario para as funções do jogador substituído. Dando sequência a uns últimos cinco minutos da metade inicial de melhor nível, o Rio Ave entrou atrevido, mas foi sol de pouca dura: aos 52 minutos, após grande jogada de Pepê (até aí discreto), Gabri Veiga trabalhou bem na grande área vilacondense e fez o 0-3. Se as dúvidas quanto ao desfecho eram já apenas académicas, a partir daí, nem isso. O técnico Sylaidopoulos ainda se expôs nas substituições, passando a um 4x2x3x1, mas nunca deixou de ser água mole a bater em pedra dura, e Diogo Costa não teve de fazer qualquer intervenção de grande dificuldade. Farioli aproveitou o mar chão de Vila do Conde para lançar Mora e Eustáquio primeiro, Gul depois e por fim promover a estreia do jovem espanhol Alarcón. Na ausência de ondas num mar tradicionalmente encapelado, o treinador do FC Porto rodou e poupou e pode queixar-se do talento de Miszta, que, apesar da macieza da sua equipa que deu espaços impensáveis aos dragões, impediu que o resultado se avolumasse mais. Valerá a pena dar destaque especial à jogada mais bonita do encontro, quando, aos 82 minutos, Rodrigo Mora encontrou um espaço que só os eleitos descortinam, para servir Sainz que, isolado, viu o guarda-redes polaco do Rio Ave dizer-lhe não com uma estupenda defesa à hóquei em patins. 

Esta foi a história de um jogo de final mais do que previsível, que deve servir de alento aos portistas, que ‘apenas’ terão de garantir disponibilidade física ao longo da época para interpretarem o futebol exigente de Francesco Farioli; e que servirá de aviso ao Rio Ave, que ainda não ganhou: onze bons jogadores não fazem uma equipa. E nesta altura em Vila do Conde não só esse processo de construção está demasiado atrasado, como se nota à légua que quem está dentro do campo vive desfasado da realidade do emblema que representa, não havendo quem possa passar o testemunho da mística do Rio Ave, que de dócil nunca teve nada.














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