Sporting fez uma exibição com pouca continuidade, mas sempre que acertou o seu futebol colocou a nu a enorme diferença entre as equipas. Pena que o conjunto de Rui Borges não tenha ido à procura de um resultado ainda mais robusto, porque nunca se sabe como serão os desempates mais lá para a frente.
Sven-Goran Eriksson tinha uma frase emblemática para jogos em que a diferença de potencial das equipas entrava pelos olhos dentro: «Não há jogos fáceis, há jogos que podem tornar-se fáceis», dizia o mestre sueco, que, como ficou à vista em Alvalade no Sporting- Almaty, estava carregado de razão. Os leões andaram tempo demais a não descomplicar a partida, essencialmente por culpa própria, mas também por algum mérito do Kairat, que se mostrou desinibido com a bola no pé, beneficiando da falta da habitual pressão da equipa de Rui Borges a meio-campo.
É verdade que se percebia que o jogo não ia fugir aos donos da casa (o mesmo pensaram o Real Madrid a 28 de setembro de 2021, quando perdeu no Bernabéu por 1-2 com os moldavos do Sheriff, e o Benfica, a 16 de setembro de 2025, quando foi derrotado na Luz pelo Qarabag, do Azerbaijão...) mas houve demasiado deixa andar, que pelo meio até incluiu uma grande penalidade marcada displicentemente por Hjulmand, que quis imitar o estilo de Bruno Fernandes, e ainda duas grandes defesas do guarda-redes Kalmurza, 18 anos feitos em junho. Foi preciso esperar quase pelo intervalo, e já depois de João Virgínia ter respondido de forma superior a um míssil de Satpayev (34), para Francisco Trincão finalmente, com um pontapé cruzado de pé esquerdo, abrir o ativo. Sabia a pouco, mas já podia dar mais algum alento para um segundo tempo mais conseguido.
Do ponto de vista tático, os primeiros 45 minutos não tiveram segredos, com o Sporting a apresentar o seu 4x2x3x1, onde Quenda foi mais pormenores do que continuidade e Maxi ainda se afoitou pouco no ataque, e o Kairat a assumir uma defesa a quatro (poucas vezes Kassabulat fez o ‘cinco’ da defesa), protegida por uma linha de quatro, ficando Jorginho e Satpayev a atrapalhar as saídas de bola leoninas.
//MÁ REENTRADA, MAS...
O Sporting regressou para o segundo tempo lento e desconcentrado e aos 47 minutos João Virgínia evitou um golo que parecia certo do Satpayev. Na resposta Suárez - dá-se ao jogo com tudo o que tem, mas parece carenciado de excecionais atributos técnicos - cabeceou à barra e a partida entrou numa toada que desagradou a Alvalade, com os leões a jogarem para trás e para o lado e os cazaques a trocarem a bola e a surgirem em situações potencialmente perigosas (tivessem eles outros atributos...).
Pouco satisfeito, Rui Borges mexeu na equipa aos 61 minutos, refrescando o ataque com Ioannidis (ainda um peixe fora de água), a ala com Allison Santos, e o ‘miolo’ com Morita, e não teve de esperar muito para que o despertador soasse e o jogo, depois de tanta sede, passasse a regime de bar aberto. Aos 65 minutos Trincão bisou ‘à Pote’, com um passe forte para a baliza, assistido por Fresneda; dois minutos depois Quenda finalmente despertou para a partida e teve uma jogada magnífica, concluída com um passe para Allison faturar da entrada da área; e aos 68 minutos, Quenda tirou da cartola todos os coelhos que não tinha utilizado ao longo do encontro, fez uma jogada ‘messiana’, serpenteado entre quantos adversários lhe apareceram à frente, e colocou a bola no fundo das redes de Kalmurza. Para quem tem memória do Mundial de 2010, foi a ‘alegoria’ do ketchup de Cristiano Ronaldo a ser levada à prática.
Com 4-0 aos 68 minutos, pensou-se que o Kairat, que dava mostras de enorme desgaste, ia sair de Alvalade com uma cabazada das antigas. Mas o Sporting preferiu tirar o pé do acelerador, alguns jogadores, nomeadamente Trincão que estava à beira do ‘hat-trick’, esqueceram-se da vertente ‘association’ do futebol, e a magia que empolgou os adeptos leoninos naqueles três minutos inesquecíveis foi-se desvanecendo.
Mesmo assim, sem grande sentido coletivo e sem forçar, o Sporting, entretanto com Debast (saiu Hjulmand) e Matheus Reis (saiu Maxi), teve oportunidade de chegar à manita - incrível a perdida de Trincão, aos 80 minutos – por várias vezes, uma delas em que Fresneda e Ioannidis só não chegaram ao golo por falta de rotinas entre ambos. Quis o destino que a claque do Kairat, que se fez ouvir, a espaços em Alvalade, festejasse como se tivesse ganho o jogo quando, aos 85 minutos, a cruzamento tenso da direita de Ricardinho, Edmilson encheu o pé e fuzilou Virgínia, sem apelo nem agravo.
Foi um fim de festa menos penoso para quem demandou Lisboa vindo de Almaty, uma viagem em quilómetros correspondente à distância navegada por Pedro Álvares Cabral até Porto Seguro, aquando do ‘achamento’ do Brasil.
Para o Sporting, perante os 4-1, ficou um gosto a saber a pouco na boca, tanto mais que os apuramentos na Champions são sempre apertados e com o atual formato o resultado entre ambos os clubes perdeu relevância. Mas aqueles três minutos de loucura, com a obra de arte de Quenda como cereja no topo do bolo, acabaram por fazer a história de um jogo que cumpriu os parâmetros com que foi desenhado, sem que o Bernabéu ou a Luz fossem chamados à colação.