Satisfeitos com a tangente e atraiçoados pela secante (crónica)

 




É fácil crucificar Otamendi pelo erro garrafal que esteve na base do empate açoriano, aos 90+2. Mas a equipa de Bruno Lage não teve engenho e arte para, a jogar contra dez durante mais de uma hora, colocar-se a cobro de qualquer percalço. Como se o sufoco de Alverca não tivesse sido na jornada anterior...


Não foi nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que o Benfica de Bruno Lage brincou com o fogo e acabou chamuscado. É uma tentação pelo abismo a que a equipa parece não querer fugir, colocando-se a jeito para um qualquer golpe de teatro. É certo que, para quem quiser ver só a jusante, neste jogo com o Santa Clara foi um erro individual a transformar uma vitória benfiquista em empate; mas para aqueles que olham também para montante, faltou muito ao Benfica para engordar o resultado, com um futebol mais pressionante e objetivo, em vez de passar o tempo como demasiada posse de bola estéril (75 por cento), como se estivesse a golear por um a zero. Fica por saber se é uma questão de mentalidade dos jogadores, o que é pouco crível, ou se se trata de um calculismo do treinador, que prefere a prudência à proatividade. E se analisarmos bem o jogo, de quantas oportunidade de golo claras dispôs o Benfica ao longo dos 90 minutos? Três boas defesas de Batista, a remates do meio da rua, e pouco mais. Não houve nenhum golo cantado e o autocarro açoriano, primeiro em 5x4x1, depois da expulsão de PV em 5x4, e apenas a partir dos 81 minutos em 5x3x1, com Carter à procura da felicidade que foi ter com Vinicius, não pode ser explicação para tudo pela simples razão de que, num campeonato tão desequilibrado em valores como o nosso, 80 por cento dos adversários que os encarnados defrontam, com maior ou menor rigor, fecham-se em copas à procura de um pontinho. 


OPÇÕES INICIAIS 

Do ponto de vista teórico, Bruno Lage, ao optar por um 4x4x2 com Ivanovic ao lado de Pavlidis, fez o que a defesa reforçada do Santa Clara estava a pedir. Porém, como a dinâmica não foi boa, não há tática que resista: as alas encarnadas, na primeira parte, foram quase inofensivas, com Schjelderup e Aursnes, demasiadas vezes a pisar terrenos interiores, a retirarem a largura à equipa que Tomás Araújo e Dahl não eram capazes de dar-lhe. Neste contexto, bastou ao Santa Clara não se desunir para ir passando pelos minutos sem outros sobressaltos que não fossem dois remates de meia distância de Ríos, controlando com alguma facilidade as investidas, demasiado redondas, do Benfica. E, provavelmente, a mais flagrante oportunidade de golo da primeira parte até pertenceu ao Santa Clara, quando Frederico Venâncio arrancou da retaguarda, ultrapassou o meio-campo do Benfica como cão por vinha vindimada, e rematou para grande defesa de Trubin, desperdiçando, na recarga, de baliza aberta, o golo, Gabriel Silva.


MELHOR, MAS... 

No início do segundo tempo, Prestianni surgiu na vaga de Tomás Araújo, passando Aursnes para a lateral direita. Sabendo-se que uma equipa que joga em vantagem numérica deve aproveitar a largura do terreno, pensou-se que o jovem argentino ia cavalgar a ala até à linha de fundo. Puro engano. Prestianni foi colocar-se em terrenos interiores (o mesmo sucedendo com Schjelderup do outro lado), o que manteve o jogo do Benfica afunilado e nada objetivo, feito de muita parra e pouca uva. Mesmo assim, a irreverência do argentino agitou mais as águas e foi de uma bola parada por falta sobre ele que Aursnes cruzou para Otamendi cabecear, o guarda-redes defender para perto e Pavlidis recargar com êxito. Estavam jogados 59 minutos, o Santa Clara estava com uma unidade a menos e o seu treinador optou, após o golo encarnado, por manter tudo na mesma, apenas refrescando a equipa, e o que fez o Benfica? Apelou ao ‘killer instinct’ e resolveu a partida? Não. Deixou andar, controlando, é certo as operações, mas permanecendo sempre em estado de risco, à distância de um erro individual ou de uma bola parada.


E esta vontade de Bruno Lage manter a situação controlada foi tão grande que a tripla substituição realizada aos 72 minutos (um minuto antes Ivanovic obrigara Batista a boa intervenção), manteve tudo, do ponto de vista da ideia de jogo, na mesma: Henrique Araújo foi fazer de Ivanovic, Barreiro ficou na posição de Ríos e Sudakov foi exilado para a meia-esquerda, onde não conseguiu ser influente no jogo. Aos 76 minutos, através de um remate perigoso de Calila, que Trubin defendeu para canto, o Santa Clara fez prova de vida. E, finalmente, aos 81 minutos, os açorianos arriscaram alguma coisa, com um 5x3x1 que parecia ser insuficiente para incomodar demais o Benfica. Mas se isto era verdade, não era menos verdade que os donos da casa pareciam satisfeitos com a vantagem tangencial, o que acabou por lhes ser fatal. Tivesse o Benfica sido mais afoito, vertical, incisivo e pressionante, e Otamendi até poderia ter falhado como falhou, e esse lapso não passaria de uma nota de rodapé. Assim, o argentino fica associado à primeira perda de pontos do clube da Luz no Campeonato, num jogo que o Benfica só empatou porque não soube, em tempo útil, ganhá-lo. Uma sensação de ‘déjà vu’ para quem tem memória da época 2024/25 dos encarnados.   

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